Dia Interncaional da Mulher: A LUTA POR UM PARTO COM DIGNIDADE!


Em tempos que se discute o parto em casa, a diminuição das cesarianas, um parto mais humanizado. Momento histórico em que nossa vida nunca esteve tão objetivada, há um discurso, e não uma prática, pela naturalização das questões sociais. Aproveitando a chegada do dia Internacional da Mulher quero compartilhar minha indignação com o pré parto de muitos hospitais públicos deste país, situações postas para a mulher da classe trabalhadora, essa que NÃO TEM DINHEIRO pra pagar o parto e, que não tem tempo nem de refletir sobre sua depressão pós parto.

Quando fiquei grávida, aos 26 anos, não tinha plano de saúde, fui procurar a UBS do meu bairro (UBS Feital) e fiz pré natal  inteiro no posto de saúde, fui muito bem atendida e assistida pela médica e enfermeiras.

Meu problema foi com o dia mais esperado, o dia do parto. Eu já estava preparada emocionalmente para a possibilidade de parto normal (e não natural, pois natural seria na beira de um rio!), mas não estava preparada para o destrato do pré parto.

Domingo, em  3 de julho de 2005, acordei de madrugada com cólicas, já me aproximando da 40ª semana de gestação. Chamei minha mãe, ela, muito sábia, 5 gestações e 4 filhos depois, me disse que ficasse calma, que eram as contrações, mas que ainda iria demorar pra nascer. Dona Genilda tinha razão.

Almoçamos e fomos para o hospital. Primeiro procuramos o Hospital Nardine, fui para a observação, a médica me colocou no cardiotoco, para ouvir os batimentos cardíacos do bebê. Fiquei por uns 10 minutos sozinha, este momento foi bem bonito, chorei e me despedi do ser que estava ali, pois deixaríamos para sempre de ser um só, tinha certeza de que meu filho iria nascer. Ele nasceu, mas foi 15 horas depois. Quando a médica ia me dar alta, minha bolsa estourou, mas o hospital Nardine não tinha vagas, então fui transferida para a Santa Casa de Mauá.

Chegando lá, por volta das 14 horas, fui encaminhada para a sala de pré parto e aí começa uma saga de 14 horas de espera, apreensão e humilhação.

Quase todas as enfermeiras foram muito atenciosas, mas ao longo do dia o plantão foi mudando, e vamos lembrar que era um domingo. Veio um primeiro obstetra, examinou todas as mulheres, com o famoso exame de toque, haviam umas 10 mulheres no pré parto.
Ao longo do dia, minhas contrações foram aumentando, eu sangrava, e ninguém lhe explica muita coisa. Eu conversava muito com o bebê e ele se mexia muito, o que me tranquilizava.

Como costumo dizer, cada mulher teve sua dor, e as mulheres tinham reações diferentes, umas gritavam, outras estavam calmas, outras eram tratadas de forma diferenciada, pois certamente eram do setor de planos de sáude atendidos pela Santa Casa.

Uma enfermeira muito atenciosa veio me ensinar a fazer "força" para ajudar o organismo no processo de dilatação do útero, ou seja, meu parto seria normal. Porém, a chegada de um outro obstetra, na troca do plantão, começou a me preocupar. O médico, que não falava português fluente, fez novamente o exame de toque, escutou o bebê e me disse que não tinha certeza se seria possível fazer parto normal, achava que eu não tinha passagem (a dilatação), mas eu deveria, apesar disso, esperar. Aí começou meu pânico.

Passaram muitas horas, muitas mulheres foram encaminhadas para a sala de parto, e minhas contrações foram aumentando violentamente. Eu continuava conversando com o bebê, que se mexia muito. Por volta das 10 ou 11 horas da noite, não me lembro de relógio na sala, mas lembro que já era bem tarde, chega uma outra médica plantonista. Essa foi inesquecível, pois ela já chegou reclamando, praguejando do caminho que tinha feito até os hospital, que um dia sua vida iria mudar e praguejou e reclamou. O que para mulheres que estão numa situação delicada como aquela não nos dava muita segurança.

A essa altura só tinham na sala eu e mais umas 3 mulheres aguardando, e tinha uma moça bem jovem, adolescente, por volta dos 15 ou 16 anos. A médica, foi examiná-la e falou em alto e bom som que eu e as enfermeiras seríamos testemunhas de que ela não estava conseguindo ouvir o bebê da jovem, mas não foi tomada nenhuma atitude. Não me recordo do exato momento em que a jovem foi levada pra sala de parto.

Minhas contrações aumentavam cada vez mais rápido e já não suportava as dores. Foi aí que me bateu uma enorme solidão. Ninguém fica perto de você, as enfermeiras, estão fazendo seu trabalho, não te conhecem e não têm vínculo afetivo, não podem lhe dar a atenção que você gostaria. Eu até pedi que uma segurasse minhas mãos um pouco, mas eu apertei a mão dela, e ela com razão, me soltou, dizendo que a estava machucando. Tudo que eu queria ali era a companhia de minha mãe, de meu companheiro, pra me sentir segura. O bebê continuava se mexendo e eu comecei a conversar com ele. E as dores aumentando.
Lá pelas tantas, já de madrugada, a médica voltou, e pedi que me examinasse, ela ouviu o bebê e fez o toque. E aí começou um diálogo surreal, perguntei:

 - Doutora, o outro médico disse que não sabia se poderia ser parto normal, o que a senhora me diz"? Para minha surpresa, ela respondeu:

- Deus é quem sabe como vai ser o parto. Você quer que eu jogue os búzios pra saber?

Só não levantei porque sangrava muito e sentia muitas dores, mas quem me conhece sabe que não fiquei calada, pra um ateu meia palavra basta, e respondi:

- Se eu quisesse que deus soubesse de alguma coisa, teria meu filho numa igreja! Eu quero uma resposta da ciência. Aqui é um hospital!

A enfermeira e a médica me olharam surpresas, e a médica começou a discutir. A enfermeira me pedia para manter a calma. Ouvi quando a médica deu ordem para colocar a ocitocina no soro, para acelerar o trabalho de parto, ela disse:

- Põe todo mundo no soro, vamos ajudar essas mães a terem logo esses filhos.

Não vi mais nada, só senti, muitas e muitas dores, sinceramente, seu eu estivesse sob tortura, teria entregue até meu cachorro (tudo isso passava em minha cabeça já confusa), e o bebê continuava se mexendo, sentia que se aproximava a hora do parto. Comecei a me preocupar se aquela médica é quem faria meu parto.

Já era manhã, quando veio o 4º médico do plantão, ele pediu para colocar uma outra mulher na maca, seria uma cesariana. E pedi para que me examinasse. Foi o único que me tranquilizou, fez o toque e me disse que eu tinha passagem para parto normal e que faltava pouco para completar a dilatação necessária.

Quando ele retornou, solicitou que eu fosse posta na maca e encaminhada para sala de parto, não haviam mais mulheres no pré parto, fui a última daquela manhã.

Ao chegar na sala de parto, sentia muitas dores, e ele me disse:

- Aqui não é para gritar, apenas para fazer força. Na hora do contração faça força que o bebê vai nascer.

Apesar da vontade de gritar de dor, me calei, um medo tomou conta de mim, de que algo pudesse dar errado logo ali, no fim do jogo, muitos bebês morrem no parto, e fui me esforçando para o nascimento. Não foram necessárias mais que três contrações para que o Raul nascesse, as oito horas e cinquenta e cinco minutos, do dia 4 de julho de 2005. Quando ele saiu, todas as dores desapareceram, as mulheres estavam certas, mas um frio enorme tomou conta de mim, dois cobertores foram postos sobre a maca, após a limpeza para a retirada da placenta. A enfermeira me mostrou aquela coisa pequenina e disse:

- É um menino mãe, olha aqui.

Ao olhar para meu filho eu disse:

- Que coisa linda meu filho.

Raul, hoje com 7 anos, fantasiado de vampiro! Conversar com ele durante todo o pré parto era a única coisa que dava segurança!


Infelizmente sai da sala de parto com sinais de depressão pós parto, que, para mim tiveram início no de pré parto, num tratamento frio, desumano, em um dos momentos mais delicados da vida de uma mulher.

Sei que as condições de trabalho nos hospitais públicos são muito precárias, mas levanto a bandeira por um parto humanizado nos hospitais, com equipes preparadas, acessível à mulher trabalhadora, que não tem condições financeiras para escolher onde quer o parto.

A medicina obstetrícia foi uma conquista histórica, pois milhares de mulheres morriam no parto, ou em consequência dele, isso durante séculos. O que temos que discutir é a mercantilização do parto, tal como tudo nesta sociedade.

TODA MULHER MERECE TER UM PARTO TRANQUILO E DEVEMOS LUTAR POR ISSO!

MULHERES, UNI-VOS!