Racionais, 3 décadas: show histórico teve homenagem às mulheres e discurso contra o feminicídio.
As canções dos Racionais sempre estiveram presentes na minha
vida e no meu planejamento pedagógico. Em Geografia não pode faltar “Homem Na Estrada”
e “Mágico de Oz” e em Sociologia “Capítulo 4, Versículo 3” e “Negro Drama”,
entre outas.
Comecei a ouvir Racionais aos 11 anos de idade, mesma idade
que comecei a ir aos bailes de rua no Parque América - Grajaú (muito parecidos
com o fluxo de hoje). Os vi ao vivo pela primeira vez no Espaço Rap, já morando
em Mauá, em 1998, no auge do sucesso do álbum clássico Sobrevivendo no Inferno.
Estava na praça da Sé, no show da Virada Cultural, em 2007, show que entrou pra
história por conta da violência policial. E a última vez que os vi, foi no
retorno deles, depois de uma longa pausa em São Paulo, também Virada Cultural
de 2013, show pra mais de 100 mil pessoas.
Neste sábado, 12 de outubro de 2019, aos meus 41 anos, fui ao
Show mais emocionante da minha vida até aqui: a celebração de 3 décadas dos Racionais
Mcs!
Nós compramos os ingressos há 3 meses. Saímos cedo de casa
pra pegar um bom lugar na pista, e fizemos cara feia pros mais jovens que
forçaram pra passar na nossa frente!
Desde que compramos os ingressos, retomei minhas leituras e
pesquisas sobre o grupo. No canal no Youtube, um mini doc em andamento, que já
conta com dois episódios, os caras contam sobre o processo de construção da turnê,
e porque decidiram tocar com uma super banda. Uma das respostas de Ice Blue é: “porque
eu mereço”! Ainda no Doc, Mano Brown comenta que gosta de andar pra frente, mas
que atendeu a pedidos ao aceitar fazer a turnê, porque também não é contra a
nostalgia.
No ingresso, o show estava previsto pra começar as 23H30. A dj
Miri Alves e o jovem Filiph Neo fizeram
a abertura do show.
Na plateia, pessoas com várias idades e expectativas, foram ficando impacientes a medida em que as horas iam avançando e nada do show. Quase teve um início de vaias, até que a 01H10 a cortina se abriu pro último show da turnê dos 30 anos.
No mini doc eu já tinha visto que o show seria cronológico,
que eles começariam com Holocausto Urbano, passando por Raio X Brasil,
Sobrevivendo no Inferno, Nada Como Um Dia Após o Outro Dia e Cores e Valores. E
assim foi.
A super banda, com tudo que Ice Blue merece, tocou de forma
espetacular, acompanhada pelos samples do melhor Dj KL Jay. Conseguimos apreciar
melhor os arranjos da banda nas canções de Holocausto Urbano, acompanhada pelas
vozes de Mano Brown, Edi Rock e Ice Blue. A banda continuou impecável, mas nas
canções mais famosas, dividiu espaço com as vozes em uníssono da plateia que cantava
tudo.
Os mestres de cerimônia foram falando das décadas e dos
álbuns, e teve momentos de muita conversa e lembranças no palco. Seu Jorge
estava presente no telão e fez uma participação ao vivo também, ao lado de
Dexter.
Eu considero Mano Brown um grande contador de histórias, e
sem dúvida é o que tem a memória mais ativa, em entrevistas costuma contar
fatos com detalhes. No palco não foi diferente. Lembraram de momentos difíceis
na vida e na carreira, dos tempos de pisar na lama e passar privações, e disse
que sabe que muita gente passou por isso
também e outros estão passando agora.
Foi emocionante quando Brown agradeceu ao Blue por ter
acreditado nele e seguido junto. Falou da amizade entre eles, e que se amam.
Brown falou também de quando conheceu Edi Rock e KL Jay, num momento
descontraído, de zoeiras e piadas.
Não faltou o discurso, menos ácido, mas ainda contundente, de
Mano Brown no início de várias canções. Na
canção em homenagem à Carlos Marighela, Mil Faces de Um Homem Leal, Brown foi acompanhado
por Seu Jorge e Dexter, e citou nomes como os de Martin Luther King, Che Guevara, Malcolm X e Fidel Castro. Neste instante, uma parte da plateia soltou o já clássico
“Ei Bolsonaro vai...”, e teve gritos isolados de “Lula Livre”, e eu ainda
gritei “Marielle Vive” e “Quem votou no Bolsonaro não canta, hein!”.
Mas a noite era de lembranças e celebração e assim seguiu. As
falas mais emocionantes da noite foram as do Blue, pra minha surpresa pessoal.
Ele nos deu uma aula sobre “seguir aprendendo sempre”, fez um discurso contra o
feminicídio e homenageou as mulheres, que segundo ele, foram as responsáveis por
essa turnê, as chamou ao palco, elas entraram de mãos dadas, conduzidas por
Eliane Dias, empresária dos Racionais, e esse foi
um dos momentos mais emocionantes do show, em que se percebe o processo de
amadurecimento desses 4 homens, todos chegando aos 50 anos, e que já emplacaram sucessos com letras
machistas. Confesso que alguns trechos de suas canções não canto mais.
Fechado o ciclo cronológico, Brown contou histórias, trocou
de roupa, apresentou todos os que estavam no palco, cantou a clássica Fórmula Mágica
da Paz, e depois de Edi Rock pedir pra retornar pra música, “chega de conversa”,
encerrou com um dos maiores sucessos: Vida Loka Parte II.
A super banda ainda deu uma palhinha solo,
acompanhados por KL Jay e as cortinas se fecharam, encerrando a turnê de
celebração de 3 décadas desse grupo que é um dos mais importantes do Brasil, e quiçá,
do mundo.
Tenho visto muitas entrevistas dos caras nos últimos anos, e
percebo o quanto evoluíram e estão antenados com o tempo presente. Seguindo com
seus trabalhos paralelos, fazendo outras coisas que gostam, porque consideram
que dentro dos Racionais não há espaço pra isso. Recomendo as entrevistas recentes dos Racionais pra Red Bull
e, as entrevistas do Mano Brown pro jornal Le Monde e outros meios, onde eles
contam sobre os hiatos do grupo, sobre o peso do álbum Sobrevivendo no Inferno,
e porque consideram Nada Como Um Dia o melhor álbum dos Racionais Mcs (Brown
diz que a maioria de nós não entendeu as referências do álbum). Contam ainda sobre
as mudanças de pensamento e comportamento, sobre o quanto gostam de música
brasileira e suas pesquisas sobre música em geral.
Tenho aprendido muito com essas entrevistas, principalmente que o
tempo não para e que devemos acompanhar o tempo, entender as mudanças, se
queremos mudanças, que somos passíveis de erros e contradições, porque somos
humanos, e que devemos aprender com tudo que vivemos.
Sem mais, quero agradecer ao Guilherme Lopes pela maravilhosa
companhia, por enxugar minhas lágrimas nas canções que mais mexem comigo, e por
me incentivar a escrever essa crônica cheia de emoção sobre essa noite inesquecível.
Aos Racionais, gratidão por esse legado de consciência e
sensibilidade, como diria Ice Blue.